Com a economia e o trabalho bem propiciado em trinta anos arredondara trezentos contos. Chegara aos quarenta e sete, ao outono da vida, sem ter amado. Nunca se conspurcara nos latíbulos da vénus vagabunda. A sua virgindade era admirada e notória; depunham a favor dela os seus caixeiros, os feitores, e - o que mais é - as suas escravas. Os seus patrícios devassos chamavam-lhe o Feliciano pudicícia. Ele não se envergonhava de confessar a sua castidade ao pároco de Caldelas. Tinha vivido como um dessexuado; - que trabalhava muito nos seus armazéns, que dormia poucas horas, e não dava folga ao corpo nem pega aos vícios. Originalíssimo. Que lhe saíram casamentos ricos; mas que ele para ser rico não tinha precisão de mulher; que vira algumas meninas pobres a namorá-lo; mas que desconfiara que lhe namorassem o seu dinheiro. Não tinha queda para o sexo, que ele dizia seixo. Numa palavra, estava virgem. Ele podia dizer como Hamlet. Não me deleitam os homens nem tão-pouco as mulheres.
A sobrinha reformara aquela natureza aleijada. Talvez o desdém com que marta o tratava na crise da sua paixão, fosse grande parte no amor do brasileiro. Além disto, a rapariga, muito parecida com ele na delgadeza das formas, tinha encantos que dispensavam a esquivança para se fazer amar de um homem de quarenta e sete anos - intacto ainda. O presente que lhe fez de uma meada de cordões de ouro significava uma desordem, pelo menos interina, na sua condição sovina. Marta aceitou a dádiva sem entusiasmo nem alegria. Lembrava-se que o pai a prevenira da possibilidade de ser mulher do seu tio, se adregasse gostar dela. Quando o tio lhe deu os cordões, teve-lhe uma náusea, um quase-ódio, suspeitando-lhe os projetos; e quando ele fugiu para o porto, com medo às guerrilhas, sentiu ela uma satisfação incomparável.