começou a desenrolar o nastro gorduroso de uma carteira de couro em que tinha recibos da décima, um aviso da junta da paróquia para pagar a côngrua, uma conta de azeviche contra maus-olhados, uma oração manuscrita contra as maleitas, um oficio antigo que o nomeava regedor, de que fora demitido pelos Cabrais, uma velha ressalva de recrutamento, uns versos que ele recitara no natal, num auto do nascimento do menino, onde ele fazia de rei mago, e finalmente o livrinho de santa bárbara, muito sebáceo, com um lustre azulado de graxa e a carta do Feliciano tão suja que parecia ter estado em infusão de pingue.
- Você ainda não ouviu falar desta carta!? - perguntou com sobrançaria impertinente, dando saliva aos dedos para a desdobrar. - não se fala noutra coisa. Toda a gente sabe que vem aí do brasil o meu Feliciano para comprar quintas.
- Já me constou - disse o pedreiro - , mas você rói a corda à conta disso, acho eu. - e como o lavrador hesitasse: - o negócio da rapariga está feito ou não está feito? Os homens conhecem-se pela palavra e os bois pelos cornos. Ponha para aí o que tem no interior.
O Simeão mascava, torcia-se, metia com dois dedos a carta estafada na carteira e resmungava:
- Você, enfim, isto é um modo de falar, como o outro que diz; você bem entende que...sim...
- O que eu entendo fisicamente falando é que você não me dá a rapariga.
- Deixe ver, deixe ver o que diz o meu irmão - tartamudeava.
- Sabe você que mais? - volveu iracundo o arquiteto, dando com o olho do machado num canhoto. - você é de má casta. Não tem palavra nem vergonha nessa cara estanhada. Você é da geração dos travessas da serra negra, e basta... Não lhe digo mais nada... - alusão pungente a um tio do Simeão, o Barnabé, capitão das maltas de salteadores que infestaram em 1835 aquela serra.