- Veja lá como fala... - interrompeu o lavrador ferido na sua linhagem. - você não me deite a perder...
E o outro, num ímpeto de consciência robusta:
- Você é um safado. É o que lhe eu digo. Não guarda palavra em contrato que faça. Eu já devia conhecê-lo. Faz para as matanças seis anos que você ajustou comigo uma porca por quatro moedas e foi depois vendê-la ao António do eido por mais um quartinho. Lembra-se, seu alma de cântaro? - e numa irritação crescente: - se você não fosse um velho, dava-lhe com este machado na caveira. - e muito esbandalhado nos gestos, com sarcasmo: - guarde a filha que eu hei de achar mulher muito melhor que ela pelo preço, ouviu você? Que leve o diabo a burra e mais quem a tange, como o outro que diz. Livrei-me de boa espiga. De você não pode sair coisa boa; e mais da mãe que ela teve, que já lá está a dar contas...
E o lavrador com extremada prudência e na pacatez de um grande espírito de ordem e paz:
- Você não tem que desfazer na minha filha, ouviu?
- Ouvi, que não sou mouco. Ainda ontem a topei na bouça do reguengo de palestra com o estudante de Vilalva. Espere-lhe a volta. A songuinha, que não olha direito para um homem, que anda ali esmadrigada de cabeça ao lado, lá estava de mão na ilharga a dar treta ao estudante, aquele pau de encher tripas, que há de ser mesmo um padre daquela casta! Olhe se ele lha quer para casar... Pois não quiseste? - e arregaçava a pálpebra do olho esquerdo, mostrando o interior inflamado com uns pontos amarelos, purulentos, indicativos de insuficiente lavagem, um trejeito de garotice. E continuava: -
quem lhe dera dois pontapés, nele e mais nela! - e muito rubro de cólera dava pancadaria nas pedras, nas raízes nodosas dos castanheiros, e metia grande terror no ânimo do Simeão quando faiscava lume nos calhaus com a percussão do machado.