O egresso reparou no trejeito herético da boca do padre, e perguntou-lhe se tinha alguma dúvida a pôr.
- Uma pequena dúvida, Sr. Frei João - respondeu intemeratamente o vigário. - não posso aceitar que o diabo, sendo filho de deus, seja o ente perverso que faz sofrer a pobre marta...
- O diabo, filho de deus! - interrompeu o varatojano, levando as mãos enclavinhadas à testa. - padre Osório, o senhor disse uma blasfémia enorme... Santo nome de jesus! O diabo filho de deus! Anátema! Anátema à lógica, ao raciocínio, portanto! - contraveio sereno e risonho o outro.
- A lógica? A lógica de Calvino, de Voltaire.
- Não, senhor, a lógica do professor que ma ensinou no seminário bracarense. Criador não é pai?
- É sim, e dai?
- Deus é pai de todas as suas criaturas; ora o diabo é criatura de deus; logo: deus é pai do Diabo.
- Distingo! - contrariou o varatojano.
E o vigário, sem atender à interrupção escolástica:
- Se deus é bom, as suas criaturas não podem ser más; ora, o demónio é mau: logo, o demónio não pode ser criatura de deus; mas, se o diabo não é criatura de deus, pergunto eu o mesmo que um negro da África perguntava ao missionário: quem é o pai do diabo?
- Distingo! - insistiu o varatojano apoiado nas velhas fórmulas da dialética esmagadora. - deus criou os anjos; destes houve alguns que se rebelaram contra o seu criador, e foram precipitados do céu: são os espíritos infernais. Alguns desses anjos não desceram às trevas inferiores, e permanecem para flagelo do género humano no ar caliginoso. Aer caliginosus est quase carcer doemonibus usque in diem judicII, diz S. Agostinho. Deus permite que os demónios vexem as criaturas, pelo bem que pode resultar às criaturas desse vexame. É o que se colhe do evangelho de S.