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Logo que cheguei a casa, entrei a folhear as páginas dos dois livros, preparado para o dissabor de encontrá-los mutilados, defeituosos, com folhas de menos, comidas pelas ratazanas colaboradoras roazes do galicismo na ruína da boa linguagem quinhentista. Folheei o entendimento literal e construíam até páginas 154, e aqui achei um quarto de papel almaço amarelecido, com umas linhas de letra esbranquiçada, mas legível e regularmente escrita. O conteúdo do papel, onde se conheciam vincos de dobras, era o seguinte:
José, o teu irmão, quando eu hoje saia da igreja, onde fui pedir a nossa senhora a tua vida ou minha morte, disse-me que eu não tardaria a pedir a deus pela tua alma. Eu já não posso chorar mais nem rezar. Agora o que peço a deus é que me leve também. Se não morrer, endoideço. Perdoa-me, José, e pede a deus que me leve depressa para ao pé de ti.
Marta.
Não é preciso ser a gente extraordinariamente romântica para interessar-se, averiguar, querer notícias das duas pessoas que têm nestas linhas uma história qualquer, mais ou menos vulgar. Ocorreu-me logo que o estudante, a quem o livro pertencera, tinha morrido na flor dos anos. Além disso, na margem superior do frontispício do volume, está escrito o nome do possuidor - José dias de Vilalva, e a carta é dirigida a um José. Concluí ser o cunhado da viúva quem recebera a carta.
Voltei a casa da Sra. Joaquina, muito açodado, como um antropologista que procura uni dente pré-histórico, e perguntei-lhe se o seu cunhado se chamava José dias; e se tinha alguma conversada, quando morreu. - que sim, que o cunhado era José dias e que morrera pela maria da fonte.
- Pois ele amou a maria da fonte? - perguntei com ardente curiosidade histórica, para esclarecer a minha pátria com um episódio romanesco das suas guerras civis.