Quanto ao pai, esse, antes de jantar, era taciturno, casmurro, como quem se esforça por sacudir um pesadelo; e, de tarde, sumia-se para recomeçar as suas visões luminosas intercetadas pelas trevas momentâneas da razão. Não se sabe o que ele pensava da mulher.
Admitia pouca gente na sua casa e pouquíssima à sua presença. Além dos caseiros que lhe pagavam as grossas rendas de vila do conde, de Esmoriz e são Cosme do vale, apenas recebia o pedreiro das lamelas, que lhe fizera os canastros e reconstruíra algumas paredes desabadas. Conhecia-lhe o pai, o alferes, desde a b atalha de ponte ferreira. Mandava-lhe botijas de genebra e maços de cigarros; - que bebesse, que se embebedasse, que os tempos não iam para outra coisa. E o alferes com vaidade de fino:
- A quem ele o vem dizer!
Ultimamente, falavam muito da chegada do Sr. D. Miguel – “o meu velho amigo”, dizia o Cerveira, pondo as mãos no peito e os olhos no teto.
- Venha ele, e ver-me-ás, Zeferino, à frente dos meus dragões de chaves! - relampagueava-lhe então as pupilas e fazia largos gestos marciais, com o braço trémulo como se brandisse a espada, rompendo um quadrado; montado na fantasia, arqueava as pernas, descaía o tronco sobre um imaginário cavalo empinado e bufava com trejeitos ferozes. Era de um ridículo lacrimável. O Zeferino dizia ao pai que às vezes lhe tinha medo quando ele fazia aquelas partes.
- O vinho do porto é o diabo! - dizia o alferes com uma grande experiência dessas façanhas incruentas - é o diabo!
O Zeferino, na volta de santa marta de Bouro, contou-lhe o que soubera em casa do capitão-mor. O tenente-coronel quis imediatamente partir para Lanhoso; mas não tinha roupa decente para se apresentar a el-rei. As fardas estavam traçadas, podres, com um bafio de rodilhas no fundo de uma arca; dos galões restava um tecido esbranquiçado com laivos verdoengos; o casco das dragonas esfarinhou-se-lhe nas mãos roído pelos ratos.