.. Então eu que tenho?!
- Estás tão enfiado!
- Agora estou eu enfiado!... A fidalga donde vem? - perguntou ele inquieto.
- Do meu quarto.
- Do seu quarto? Não foi com a mãezinha e com a Sra. D. Eugénia ver o linho?!
- Não.
- Não?... Pois onde estava?... - volveu ele já aflito.
- No meu quarto, já te disse... Tu passaste no corredor muito devagar.
O criado não pensou na defesa, por isso mesmo que não refletira no crime. Desatou a chorar, contando à menina a desgraça da mãe, da cunhada e dos filhinhos, pedindo-lhe com as mãos postas que o não acusasse.
- Está descansado, Norberto. - disse ela.
Vinham chegando ao portão o pai, a mãe e a irmã.
Ricardina saiu-lhes ao encontro muito folgazã, assertoando na casaca do pai um ramo florido de laranjeira.
- Estou bonito! - disse o abade, e seguiu para o seu quarto.
A menina foi após ele e mais a mãe.
- Estou muito contente, meu pai! - disse Ricardina.
- Estimo; então porque estás contente? Saiu-te bom o traslado?
- Não é isso: fiz uma boa ação, uma esmola.
- Isso bom é.
- Olhe, meu pai. Era uma velhinha, e uma viúva cega e cinco filhos. Vinham pedir esmola para pagarem uma dívida e ficarem na cabana que a justiça lhes tirou.
- Se foi a justiça que lha tirou, é que não a podiam possuir sem injustiça - observou o abade, despindo a casaca, e revestindo-se de chambre. - Que velha, que cabana, e que justiça era essa?
- Era a mãe do Norberto. Ela precisava de três peças, porque o filho só tinha três moedas e mais não sei quê. Então eu fui à sua gaveta, e dei as três peças de esmola à velha.
O abade olhou para Clementina, murmurando:
- E esta!...
- Estou pasmada! - disse a senhora. - Então tu vens à gaveta do teu pai e dás três peças!
- Se o pai cá estivesse, também lhas dava.