.. Isto aqui sempre é terra de gente! Vossa Senhoria não tem ido passear por essas praças? Anda só metido pelos cemitérios a julga que topa a sepultura da Sr.ª D. Ricardina, lá porque o degredado de Midões lhe disse em Angola que os Pimenteis a tinham mandado para Lisboa! Valha-o Deus, Sr. Doutor! Tanto tem chorado há vinte e quatro anos, e tem sempre que chorar! Aqui estou eu agora...
- Estás aí tu agora também com as lágrimas nos olhos...
- Pois que quer?... Aquela minha adorada menina!... Se houvesse Deus, ela não tinha morrido assim... Isto de religião é uma história, Sr. Doutor. Eu, se soubesse ler - acrescentou ele com blasfema raiva - , havia de escrever que não há Deus, nem Céu, nem Inferno...
- Não digas sandices, Norberto - interrompeu Bernardo. - Não vês a Providência bem sensível na fortuna que eu tive de encontrar trabalho, onde estava receando tocar a indigência?
- Isso é verdade...; mas diz lá o ditado, e queira Vossa Senhoria perdoar, burro morto... sim... depois que a fidalga morreu, e morreram seus irmãos, e o seu pai, e vossa senhoria que penou tantos anos, é que lhe aparece... e que lhe aparece?... Trabalho. É grande fortuna, não tem dúvida!... Se lhe aparecesse dinheiro, sem trabalhar, ainda está feito... E os patifes que vivem regalados sem trabalhar, têm outro Deus? Se o têm, o nosso não é melhor, cá em quanto a mim!
- Estás hoje ímpio, meu sargento!... Olha que não vai isso bem às tuas barbas! Trata agora de comer e beber, e não te zangues. Deixa rolar o mundo debaixo do pé de Deus, que vai bem. E, se vai mal, Quem assim o fez, pode melhorá-lo quando quiser.
- Então que melhore! Essa é que é cá a minha birra! Então que espera Deus? Não faz favor de me dizer?
- Manda vir o jantar, Norberto; a tua impiedade é fome, penso eu.