Abaixou a cabeça e parou alguns minutos a vista enfraquecida nas feições da filha do abade. Ricardina continuava a tremer, encarando o aspeto do veterano.
- Veja lá se conhece o Calvo! - disse Norberto.
- Quem? - murmurou Ricardina, como se o dissesse para si mesma.
- O Norberto Calvo, o seu criado, o amigo do Sr. Bernardo Moniz.
Ricardina levantou-se, caminhando vacilante para ele, com os braços abertos em cruz, pedindo com este gesto que lhe dessem amparo.
- Ora venha de lá esse abraço! - disse o sargento. - Deixe-me abraçar a minha menina!
E levantou-a, exclamando:
- O velho ainda tem força! Não pesa três arráteis a minha fidalga! Parece-me que estou como há perto de quarenta anos, quando ela me botava os bracinhos, para eu a levar comigo. Então que me diz, Sr.ª D. Ricardina? Conhece ou não conhece o Norberto? Parece que não acredita!
- Acredito... - balbuciou ela. - Só tu podias ter o retrato do meu infeliz Bernardo.
- Infeliz é o Diabo! - acudiu Norberto. - Aqui não há ninguém infeliz... É o que lhe digo! A infelicidade acabou-se! Agora, viva a alegria!
E, dizendo, atirou o boné ao teto, aparou-o, e, atirando-o de novo, repetiu:
- Viva a alegria!
D. Ricardina desconfiou que o velho estava areado do juízo, e por isso fez pé atrás, atemorizada e condoída.
- Ela está a pensar que eu estou maluco, não é verdade, menino? - perguntou o sargento ao filho de Ricardina. - E esta fidalga também pensa isso? - indicou ele a viscondessa, a quem dirigiu estas palavras: - Olhe que eu também ajudei a criar sua mãezinha, a Sr.ª D. Eugénia, que era a cara de vossa Senhoria, sem tirar nem pôr... Pois, fidalga - continuou, voltado para Ricardina - , eu venho aqui pedir-lhe perdão de ter sido o causador de muitas desgraças.