" “Que havia eu de contrapor a isto? Bem sabes que não há lógica nem retórica de servir na tua defesa, encaradas as coisas pela sua face religiosa. Nisto gastei algum tempo, e só agora tão tarde pude aviar os criados...”
Seguia um N. B. deste teor: “D. Clementina mandou neste instante a inclusa carta.”
Viu o padre que o sobrescrito dizia: para a minha filha Eugénia. Abriu. Continha o seguinte: “Minha filha, não precisas de mim para ser afortunada. Tens pai, e vais ter esposo. A minha pobre Ricardina é que não tinha ninguém, se eu lhe faltasse. Recebe a minha bênção, e acode às tribulações do teu pai quando lhe chegar a hora de as experimentar. A tua mãe, Clementina.”
O abade rasgou a carta de três repuxões, e começou a enfiar as pantalonas. Esperou a luz da manhã, e chamou Norberto. Mandou selar os dois machos, foi bater à porta de Eugénia, disse-lhe que ia para fora, e jornadeou para Lamego. Descavalgou no pátio da residência episcopal. Era noite. Enviou o seu nome. O bispo, receoso do hóspede. acercou-se de fâmulos, e mandou entrar à sua presença o abade de Espinho. Apenas se defrontaram, os olhos do padre Leonardo menos escarlates que as incendidas belfas afunzilavam faúlhas. Latejavam-lhe as cordoveias do pescoço esticadas pela tumidez dos gorgomilos, onde as vozes se represavam abafadas pelo rancor. O prelado esperava, não sem assombro, o estalar daquela borrasca. Estourou enfim, perguntando com que direito lhe era roubada a mãe das suas filhas. A inépcia da pergunta fez sorrir o bispo:
- Quem roubou a mãe das suas filhas? A mãe das suas filhas é uma pecadora, manceba de um padre, e padre pastor de almas?
- É! - bradou o abade.
- Pois se é, incline-se diante de Deus, como ela.
- Quem é Deus? É Vossa Excelência? - disse o clérigo.