Procurar livros:
    Procurar
Procurar livro na nossa biblioteca
 
 
Procurar autor
   
Procura por autor
 
marcador
  • Sem marcador definido
Marcador
 
 
 

Capítulo 8: CAPÍTULO VIII - O BEM-FAZER DA MORTE

Página 49
Acrescentava o comovido primo que as religiosas, edificadas pela contrição da pecadora, oravam incessantemente, pedindo a Deus a conservação daquele raro exemplo da divina graça. Concluía a carta rogando que, em acatamento à opinião pública, não aparecesse em Lamego, nem fosse de qualquer maneira perturbar os últimos dias da moribunda.

Leonardo Botelho sentiu a primeira e sincera agonia na alma encouraçada às dores que dobram as compleições mais rijas. Ficaram-lhe enxutos os olhos porque as lágrimas são o limbo: além destas está Céu, consolação, desafogo. Então que flecha vingou fender-lhe o aço do peito? Devia de ser o desprezo, se não ódio dele com que a asceta Clementina se voltara para as quimeras de além-mundo, deixando-o apontado como algoz de uma alma, que lhe fugiu para salvar-se. Esta satânica soberba afogava os germes da compaixão. A cada assomo de remorso correspondia a força reativa da sua razão, desvanecendo-lho com a ira de se ver sem família, ludibriado por uma filha, que o deixa por lhe ser negada licença para honorificar um vilão; ludibriado pela mãe, que se bandeara com a filha rebelde; ludibriado pela outra filha, que, decorridos dois meses de apartamento, não mandara saber do seu pai.

Mais suaves angústias, ao mesmo tempo, eram as de Clementina. A sua cela desbordava de amigas extremosas que se pasmavam a contemplar-lhe a paciência invencível às ânsias de uma hipertrofia do coração. Não havia ter as lágrimas quem lhe escutava o confessar-se do seu desmerecimento para tanto amor de senhoras sem mácula. Pode ser que a enferma se enganasse no juízo das caridosas amigas; sem embargo, deviam de ser boas almas aquelas que se não melindravam de confortar pecadora tão inveterada no crime. Chegada ao termo, e já entrevendo por olhos baços as alvoradas do dia eterno, disse à filha:

- Ricardina, deixo-te no meio do teu noviciado.

<< Página Anterior

pág. 49 (Capítulo 8)

Página Seguinte >>

Capa do livro O Retrato de Ricardina
Páginas: 178
Página atual: 49

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
CAPÍTULO I - O ABADE DE ESPINHO 1
CAPÍTULO II - UM AMIGO! 9
CAPÍTULO III – REAÇÕES 12
CAPÍTULO IV - BERNARDO MONIZ 19
CAPÍTULO V - MÃE E FILHA 25
CAPÍTULO VI – AGONIAS 32
CAPÍTULO VII - O QUE ELA PEDIA A JESUS 39
CAPÍTULO VIII - O BEM-FAZER DA MORTE 45
CAPÍTULO IX - ATÉ QUE ENFIM! 52
CAPÍTULO X - A SORTE 59
CAPÍTULO XI - MEMÓRIAS DOLOROSAS 66
CAPÍTULO XII – ESPERANÇAS 75
CAPÍTULO XIII - NORBERTO CALVO 80
CAPÍTULO XIV - PLANOS DO ABADE 88
CAPÍTULO XV - COMO O SENTIMENTO DA GRATIDÃO FEZ UM TIGRE 94
CAPÍTULO XVI - E O SOL NASCIA FORMOSO! 104
CAPÍTULO XVII - ENTRE A DEMÊNCIA E A MORTE 112
CAPÍTULO XVIII - O QUE FEZ A IGNORÂNCIA DO ESTILO FIGURADO 118
CAPÍTULO XIX - TÁBUA DE SALVAÇÃO 122
CAPÍTULO XX - OBRAS DO TEMPO 125
CAPÍTULO XXI - VANTAGENS DE CINCO PRÉMIOS 132
CAPÍTULO XXII - OS “DEZ-RÉIS” DA VISCONDESSA 136
CAPÍTULO XXIII - A RODA DA FORTUNA 141
CAPÍTULO XXIV - A NETA DO ABADE DE ESPINHO 147
CAPÍTULO XXV - O CORAÇÃO NÃO SE REGULA PELAS LEIS VISIGÓTICAS 156
CAPÍTULO XXVI - O REPATRIADO 161
CAPÍTULO XXVII - O RETRATO DE RICARDINA 166
CAPÍTULO XXVIII - ENFIM... 171
CAPÍTULO XXVIII – CONCLUSÃO 177