O amigo de Ricardina mandou a mãe bater à porta. Saiu um criado, perguntando quem buscava.
- Diga ao Sr. Dr. Bernardo que está aqui a velha.
O criado ia dizer que não estava em casa o Sr. Doutor, quando Bernardo o mandou retirar da janela, e disse à velha que esperasse.
Desceu ao pátio e abriu o portão.
- Está ali o meu Norberto que lhe quer falar, Sr. Doutor - disse a velhinha.
- Vá dizer-lhe que ninguém o vê neste pátio, e que venha cá.
Enquanto a velha levou o recado, Bernardo subiu, chamou Ricardina. e desceu com ela a tempo que o Calvo chegava com o rosto oculto num cobrejão, por debaixo do qual se viam os dois canos da clavina.
- Entra, Norberto - disse Bernardo, comovido - , aqui tens a tua amiguinha de infância, que te vem agradecer.
Ricardina deu-lhe as mãos, que ele não ousava aceitar nas suas. Forcejou ela por tomar-lhas, e disse banhada em alegre choro:
- Como poderei eu pagar os favores que te devo, Norberto!
- Vamos ao caso fidalga... - disse o criado roçando as pálpebras com o punho direito da véstia. - Olhem que isto está muito mau. O juiz de fora vem depois de amanhã cercar esta casa porque já chegou ordem de Coimbra para serem todos presos. O Sr. Abade, se não vier, manda gente com os milicianos, e olhe que a ideia dele é ver se o matam, Sr. Doutor, antes de vossa Senhoria ser preso. Eu que lho digo é que o sei tão bem como estarmos aqui todos os três. Agora o que devem fazer é pôr-se ao largo. Toca para Espanha o mais tardar depois de amanhã, senão está tudo perdido.
Ricardina tremia, trespassada de glacial terror. Bernardo aconchegou-a do seio e disse-lhe:
- Minha filha, não tenhas medo, que o teu Norberto ainda nos salvou desta vez. Entre amanhã e depois prepara-se tudo, e vamos para Espanha.