- Entre - disse ela. - A sua menina está ali a dormir.
O quarto, no rés-do-chão, o único da casa, tinha ao fundo, encostado à parede, um grande leito sem cortinas, enquanto a masseira ocupava o lado da janela, onde havia um vidro consertado com uma rodela de papel azul. No canto, atrás da porta, viam-se umas botas de cardas reluzentes arrumadas debaixo da pedra do lavadouro, ao pé duma garrafa cheia de óleo com uma pena enfiada no gargalo; sobre a chaminé, coberta de pó, havia um almanaque Matbieu Laensberg, entre bocados de pederneira, cotos de vela e pedaços de isca. Finalmente, o último objecto decorativo deste aposento era uma Fama soprando a trombeta, imagem certamente recortada de algum prospecto de perfumaria, pregada à parede com seis tachas.
A filha de Emma dormia no chão, dentro de um berço de vime. Ela pegou-lhe com o cobertor que a envolvia e pôs-se a cantar baixinho e a embalá-la.
Léon passeava pelo quarto; causava-lhe estranheza ver aquela formosa mulher, vestida de nanquim, no meio de tanta miséria. A Sr." Bovary corou; ele voltou-se, pensando que talvez o seu olhar tivesse cometido alguma imprudência. Ela tornou a deitar a pequerrucha, que acabara de bolçar sobre a gola do vestido. A ama veio logo limpar, afiançando que não ficaria a ver-se.
- A mim faz-me coisas bem piores - dizia ela - e passo o tempo todo a pô-la de lavado! Se a senhora tivesse a bondade de me autorizar a trazer da mercearia do Camus um bocadinho de sabão quando eu precisasse!... Seria até menos maçador para si, que assim já a não incomodava.
- Está bem, está bem! - disse Emma. - Adeus, Tia Rolet! E saiu, limpando os pés na soleira.
A pobre mulher acompanhou-a até ao fundo do pátio, falando de quanto lhe custava levantar-se de noite.