Léon não sabia, quando saía de casa dela desesperado, que Emma se levantava logo a seguir para o ver na rua. Preocupava-se com o que ele fazia; espiava-lhe o aspecto do rosto; inventou uma história complicada como pretexto para lhe visitar o quarto. A mulher do farmacêutico parecia-lhe muito feliz por dormir debaixo do mesmo tecto; e os seus pensamentos iam constantemente pousar naquela casa, como os pombos do Leão de Ouro que ali iam molhar, nas goteiras, as patas cor-de-rosa e as asas brancas. Mas, quanto mais Emma tomava consciência do amor, mais o recalcava, para que não aparecesse e o fazer diminuir. Sentia o desejo de que Léon lhe adivinhasse o sentimento; e imaginava circunstâncias de acaso, catástrofes que pudessem contribuir para isso. O que a detinha era, sem dúvida, a inércia ou o receio, e também o pudor. Imaginava que o tinha repelido demasiado, que já não havia oportunidade e que tudo estava perdido. Também o orgulho, a satisfação de poder dizer: «Sou virtuosa», e de olhar para o espelho assumindo poses de resignação, a consolava um pouco pelo sacrifício que acreditava estar fazendo.
Então, os apetites da carne, as cobiças do dinheiro e as melancolias da paixão, tudo se confundia num mesmo sofrimento; e, em vez de procurar afastar daí o pensamento, ainda mais se prendia ao mesmo, excitando-se a dor e procurando para isso todas as ocasiões. Irritava-se com um prato mal servido ou com uma porta entreaberta; lastimava-se pelo veludo que lhe faltava, pela felicidade que não tinha, por as suas aspirações serem demasiado elevadas e por a casa ser acanhada de mais.
O que a exasperava é que Charles não dava impressão de suspeitar do .eu suplício. A convicção que ele tinha de a fazer feliz parecia-lhe um insulto imbecil e a segurança que revelava a esse respeito ingratidão.