Procurar livros:
    Procurar
Procurar livro na nossa biblioteca
 
 
Procurar autor
   
Procura por autor
 
marcador
  • Sem marcador definido
Marcador
 
 
 

Capítulo 23: XV

Página 251
Devia ter, pensava ela, um amor inexaurível, para o derramar sobre a multidão em tão grandes eflúvios, Todas as suas veleidades difamatórias se desvaneceram com a poesia do papel, que a invadia, e, atraída para o homem pela ilusão da personagem, procurou imaginar o que seria a vida dele, aquela vida retumbante, extraordinária, esplêndida, e que poderia ter sido a dela se, entretanto, o acaso tivesse querido. Ter-se-iam conhecido, ter-se-iam amado! Com ele, por todos os reinos da Europa, ela teria viajado de capital em capital, compartilhando com ele as fadigas e o orgulho, apanhando as flores que lhe atirassem, bordando-lhe os fatos ela própria. Depois, todas as noites, no fundo dum camarote, por trás das rótulas douradas, recolheria, maravilhada, as expansões daquela alma que teria cantado unicamente para ela; enquanto representava no palco, tê-Ia-ia fixado com o olhar. Uma súbita loucura se apoderou dela: ele fixava-a de certeza! Sentiu desejo de correr para os seus braços a fim de se refugiar na sua força, como na própria encarnação do amor, e dizer-lhe, gritar-lhe: «Rapta-me, leva-me, fujamos! Para ti, para ti!, todos os meus ardores e todos os meus sonhos!»

Desceu o pano.

O cheiro do gás misturava-se com a respiração da assistência; o vento feito pelos leques tornava a atmosfera mais sufocante ainda. Emma quis sair; a multidão atulhava os corredores e ela deixou-se novamente cair na poltrona, com palpitações que a sufocavam. Charles, com medo de a ver desmaiar, correu ao bufete para lhe trazer um copo de orchata.

Teve uma enorme dificuldade em regressar ao camarote, porque a cada passo lhe davam cotoveladas, por causa do copo que segurava com ambas as mãos, e chegou a entornar a maior parte do conteúdo nas costas duma ruanense em mangas curtas, que, sentindo o líquido frio a escorrer-lhe pelos rins, atirou gritos de pavão, como se a estivessem assassinando.

<< Página Anterior

pág. 251 (Capítulo 23)

Página Seguinte >>

Capa do livro Madame Bovary
Páginas: 382
Página atual: 251

 
   
 
   
Os capítulos deste livro:
PRIMEIRA PARTE – I 1
II 12
III 22
IV 29
V 36
VI 40
VII 46
VIII 54
IX 66
SEGUNDA PARTE – I 79
II 90
III 97
IV 112
VI 126
VII 140
VIII 150
IX 175
X 186
XI 196
XII 209
XIII 224
XIV 234
XV 246
TERCEIRA PARTE – I 255
II 271
III 282
IV 285
V 289
VI 307
VII 325
VIII 339
IX 357
X 366
XI 373