.. - disse Charles, galhofando ingenuamente. - Mas parece-me que se poderia fazer a coisa por menos; porque há artistas sem fama que às vezes valem mais do que as celebridades.
- Procura-os - replicou Emma.
No dia seguinte, ao voltar para casa, fitou-a com um ar manhoso e acabou por não se conter, atirando-lhe a seguinte frase:
- Que teimosia que tu às vezes tens! Estive hoje em Barfeucheres. Pois bem, a Sr. Liégeard garantiu-me que as suas três filhas, que estão na Misericórdia, recebiam lições a cinquenta soldos cada uma, e ainda por cima duma mestra famosa!
Ela encolheu os ombros e não voltou a abrir o seu instrumento. Mas, quando passava perto dele (se Bovary estivesse presente), suspirava:
- Ah!, meu pobre piano!
E, quando alguém a visitava, nunca deixava de dizer que tinha abandonado a música e que não podia agora voltar a ela, por razões de força maior. Então as pessoas lastimavam-na. Era uma pena! Ela que tinha tanto talento! Chegaram a falar nisso a Bovary, envergonhando-o, sobretudo o farmacêutico.
- É mal feito! Nunca se devem deixar de cultivar as faculdades naturais.
Além disso, o meu bom amigo deve pensar que, animando a sua esposa a estudar, economizará mais tarde na educação de sua filha! Eu sou da opinião de que as mães devem educar os seus próprios filhos. É uma ideia de Rousseau, talvez ainda um pouco nova, mas que acabará por triunfar, tenho disso a certeza, tal como o aleitamento materno e as vacinas.
Charles voltou então de novo a essa questão do piano. Emma respondeu com azedume que valia mais vendê-lo. Aquele pianozinho, que lhe proporcionara tantas satisfações vaidosas, vê-lo ir-se embora representava para Bovary uma espécie de suicídio indefinível duma parte da própria mulher!
- Se tu quisesses.