Emma continuava a arruiná-lo para além do túmulo.
Foi obrigado a vender as pratas, peça por peça, e depois vendeu os móveis da sala. Todas as divisões da casa se foram desguarnecendo; mas o quarto, o quarto dela, ficara como dantes. Depois do jantar, Charles subia até lá. Empurrava para o pé do fogo a mesa redonda e puxava para junto de si a poltrona dela. Sentava-se defronte. Acendia uma vela num dos castiçais dourados. Berthe, junto dele, coloria gravuras.
O pobre homem sofria de a ver tão mal vestida, com os sapatos sem laços e as cavas das camisolas rasgadas até às ancas, porque a governanta não lhe ligava nenhuma importância. Mas a criança era tão meiga, tão gentil e inclinava tão graciosamente a cabecita, deixando cair sobre as faces rosadas a bela cabeleira loura, que ele se sentia invadido por um infinito deleite, um prazer misturado com amargura, como esses vinhos mal feitos que cheiram a resina. Consertava-lhe os brinquedos, fazia-lhe bonecos de cartão, ou cosia-lhe a barriga rasgada das bonecas. Depois, se lhe acontecia ver a caixa da costura, uma fita no chão, ou um simples alfinete metido numa fresta da mesa, perdia-se a sonhar e ficava com um ar tão triste, que a pequena entristecia também como ele.
Já ninguém vinha visitá-los; porque justin fugira para Ruão, onde se tornou paquete dum merceeiro, e os filhos do boticário cada vez procuravam menos Berthe para brincar, não estando Homais interessado em que a intimidade se prolongasse, dada a diferença das condições sociais.
O cego, que ele não conseguira curar com a sua pomada, voltara para a encosta do Bois Guillaume, onde narrava aos viajantes a vã tentativa do farmacêutico, a ponto de Homais, quando ia à cidade, se ter de esconder atrás das cortinas da Andorinha, para evitar encontrar-se com ele.