A tarde ainda estava longe do seu fim; mas umas nevoazitas começavam a levantar-se dos campos e lameiros e o reitor, que tinha o seu reumático a atender, já ia perdendo grande parte daquele fogo com que encetara a pesquisa.
No meio de um estreito e alagado caminho, que seguia tortuosamente por entre dois campos de centeio, parou e entrou a reflectir:
- O rapaz sumiu-se. Para o ir procurando assim à toa e a estas horas do dia, não estou eu. Vão lá atrás do homem da capa preta.
Quem sabe onde o diabrete foi dar agora consigo? O pai que o procure, que tem obrigação disso. O melhor é retirar em boa ordem, antes que venha o frio da noite.
Já se preparava para seguir o prudente conselho, que a si próprio acabava de dar, quando lhe despertou a atenção um assobiar agudo e vibrante, cujo timbre lhe era tão conhecido como a toada da cantiga que executava.
- Olá! - disse o reitor, parando, equilibrado sobre duas alpondras no meio do lamaçal do caminho. - Moiros na costa, ou eu me engano muito!
Pôs-se a escutar de novo e cada vez mais parecia confirmar suas suspeitas, acabando de se convencer de todo quando, ao assobiar, sucedeu uma voz infantil que ele logo reconheceu por a do discípulo, cantando, ainda na mesma toada, que era de uma música popular, as seguintes coplas:
Morena, morena,
Dos olhos castanhos,
Quem te deu, morena,
Encantos tamanhos?
Encantos tamanhos
Não vi nunca assim.
Morena, morena,
Tem pena de mim.
Morena, morena,
Dos olhos rasgados,
Teus olhos morena,
São os meus pecados.
São os meus pecados
Uns olhos assim.
Morena, morena,
Tem pena de mim.
Morena, morena,
Dos olhos galantes.
Teus olhos, morena,
São dois diamantes.