Depois de pequena pausa, prosseguiu:
Este amor, que é minha vida,
Vida do meu coração,
Atrás do qual meus...
A interrupção foi devida a certo rumor, que Pedro julgou ouvir do quintal. Calou-se por isso e pôs-se a escutar.
Tudo caiu em silêncio.
Aplicando, porém, o ouvido à fechadura, pareceu-lhe perceber o murmúrio de vozes abafadas.
- Quem anda aí dentro?! - perguntou em voz alta Pedro, batendo à porta.
Ninguém lhe respondeu.
Continuou a escutar e de novo julgou distinguir o mesmo som.
Ia a interrogar outra vez, mas reflectindo, mudou de plano.
Continuou o seu caminho cantando:
Este amor, que é minha vida,
Vida do meu coração,
Atrás do qual meus suspiros,
E meus pensamentos vão.
E seguiu, cantando assim, até certa distância da casa; depois, retrocedendo, voltou, com todas as cautelas, para junto da porta donde viera o rumor que o estava inquietando.
- Se fossem ladrões - pensava Pedro - que haviam de fazer as pobres raparigas neste sítio solitário e sem braço de homem em casa para as defender?
E este pensamento decidiu-o a não sair dali, sem averiguar aquilo.
O seu estratagema prometia produzir efeito. Desta vez não era já possível a ilusão. As vozes percebiam-se distintamente e como em conversa acalorada, e entre elas, Pedro julgou reconhecer uma de mulher.
Então, sentiu ele um doloroso confrangimento do coração. Uma ideia terrível, súbita e sinistra, como a luz do relâmpago, lhe iluminou o espírito, e, pela primeira vez concebeu suspeitas que o fizeram estremecer.
- Se Clara... - murmurou subjugado por aquela ideia. E um tremor convulso passou-lhe pelos membros com tal violência, que o constrangeu a apoiar-se à ombreira da porta, para não cair.