Este homem sacudiu então a poeira dos seus sapatos à porta das cidades, onde sonhara meio século, e veio, tendo por único arrimo a consciência, procurar o tecto que, nu, o abrigara na infância e quase o recebia na velhice, como de lá saíra - tecto que nem já era seu.
É uma história vulgar a deste homem. Insistir nela seria contar ao leitor coisas sabidas.
A quem reservará a sorte o privilégio de ignorar uma história assim?
Era, pois, um desgraçado. Isto bastava para que, ao seu lado, visse, olhando-o compadecido, o rosto de Margarida, e, animando-o, os sorrisos de Clara.
O infortúnio chamou, para junto do leito de miséria deste velho desanimado, estas duas mulheres. Ao lado de todas as cruzes aparecem desses vultos compassivos.
Com que havia de recompensar a devoção heróica de duas juventudes à velhice empobrecida, quem nada tinha que dar?
Não lhe exigiam elas a recompensa, é certo; mas pedia-lha a alma.
Dos amigos, que tivera, só lhe restavam quatro; e esses lhe valeram. Eram quatro livros...
Talvez os leitores já estivessem imaginando que este homem trouxera ainda quatro amigos para a adversidade, sem serem livros. Custa-me desenganá-los; mas não trouxe.
Foi nestes livros que Margarida encontrou novos alimentos para a leitura. Não sei bem ao certo quais eram eles.
Estas leituras, dirigidas agora pela crítica esclarecida e o são juízo do pobre velho, valeram imenso a Margarida, que, dentro em pouco, chegou a uma cultura intelectual, a que nunca tinha aspirado.
Por isso, na ocasião de formar projectos, para se dignificar aos próprios olhos pelo trabalho, sorria-lhe principalmente a carreira do ensino. Ensinar era aprender, ensinar era amar; e estas duas necessidades daquele espírito generoso, aprender e amar, se satisfaziam assim.