Além do interesse crescente que ia encontrando na leitura, um motivo mais oculto lhe alimentava esse ardor - motivo que ela própria quase ignorava, ou pelo menos não dizia a si. - Como que desta forma se aproximava de Daniel. Das duas inteligências de criança, que se tinham visto a par, como duas aves que brincam na relva, uma levantara voo e subira; que admirava que a outra, saudosa, ensaiasse as forças para a acompanhar? para, ao menos, a não perder de vista de todo? Há destes motivos ocultos das nossas acções, que passam desconhecidos.
O que é certo é que a sede de saber devorava Margarida. O hábito da meditação, que adquirira, permitia à sua inteligência tirar grandes riquezas da pequena mina em que trabalhava.
Um acontecimento favoreceu ainda estas tendências.
Um dia, acolheu-se à aldeia, a viver vida de privações e de miséria, um destes desgraçados, a quem as ondas do mundo arrojam náufragos e quebrantados à praia. Era um homem que, saindo, criança ainda, daquela mesma aldeia, entrara, sob os sorrisos da sorte, na vida das cidades. A instrução, a riqueza, as honras, tudo o rodeara do prestígio que parece assegurar a felicidade. Se ele a sentiu então, não o sei eu - ; um dia, porém, como o Job da Escritura, viu a mão da desgraça baixar sobre a sua cabeça, privá-lo das riquezas, da dignidade e da família, e deixá-lo só; só, ao declinar da vida, só, quando já não há no coração fogo para alimentar esperanças; vigor no braço para arrotear caminhos novos!