As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 9: IX Pág. 53 / 332

Margarida lia-os com ardor, e, pouco a pouco, costumou-se a lê-los com reflexão também. Não sendo muito abundantes as bibliotecas da terra, era obrigada a reler, mais do que uma vez, os mesmos livros - o que é sempre uma vantagem para a instrução colhida neles.

Além do interesse crescente que ia encontrando na leitura, um motivo mais oculto lhe alimentava esse ardor - motivo que ela própria quase ignorava, ou pelo menos não dizia a si. - Como que desta forma se aproximava de Daniel. Das duas inteligências de criança, que se tinham visto a par, como duas aves que brincam na relva, uma levantara voo e subira; que admirava que a outra, saudosa, ensaiasse as forças para a acompanhar? para, ao menos, a não perder de vista de todo? Há destes motivos ocultos das nossas acções, que passam desconhecidos.

O que é certo é que a sede de saber devorava Margarida. O hábito da meditação, que adquirira, permitia à sua inteligência tirar grandes riquezas da pequena mina em que trabalhava.

Um acontecimento favoreceu ainda estas tendências.

Um dia, acolheu-se à aldeia, a viver vida de privações e de miséria, um destes desgraçados, a quem as ondas do mundo arrojam náufragos e quebrantados à praia. Era um homem que, saindo, criança ainda, daquela mesma aldeia, entrara, sob os sorrisos da sorte, na vida das cidades. A instrução, a riqueza, as honras, tudo o rodeara do prestígio que parece assegurar a felicidade. Se ele a sentiu então, não o sei eu - ; um dia, porém, como o Job da Escritura, viu a mão da desgraça baixar sobre a sua cabeça, privá-lo das riquezas, da dignidade e da família, e deixá-lo só; só, ao declinar da vida, só, quando já não há no coração fogo para alimentar esperanças; vigor no braço para arrotear caminhos novos!





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