A porta tornou a fechar-se; um ruído impercetível denotou o desandar da chave na fechadura. Nada mais se ouviu.
Instantes depois, um homem saiu do meio das sombras, correndo impetuosamente para a porta que se fechara. Via-se-lhe o vestuário em desalinho, a cabeça descoberta e os cabelos à mercê do vento, parecendo mais um espectro horrendo saído das entranhas da terra do que um ser humano.
Esse homem, que não era outro senão António, ao aproximar-se da porta, fez menção de se arremessar desesperadamente sobre ela, mas de repente conteve-se e encostou-se, como extenuado, à ombreira de pedra, aplicando o ouvido ao orifício da fechadura.
Permaneceu naquela posição por espaço de meia hora, sem fazer o mais pequeno movimento nem dar o mínimo acordo de si, semelhando-se a um corpo unido ali por cadeias de aço que lhe impedissem os movimentos.
O clarão avermelhado de um relâmpago veio subitamente iluminar-lhe o rosto.
Estava lívido como um cadáver, e as faces contorciam-se-lhe a cada instante em convulsões medonhas.
De súbito, aquele corpo, que parecia jazer inanimado, estremeceu todo, afastou-se alguns passos, levantou os braços, e com os punhos cerrados arrojou-se para a porta com a raiva e a sanha de um leão enfurecido, exclamando com a voz abafada pela cólera:
- Miserável!... Vais pagar com a vida a tua infâmia! Será vingar um crime com outro!
Mas, ainda pela segunda vez, ao aproximar-se da porta, estacou, como se um poder oculto detivesse os seus movimentos. Os braços descaíram-lhe com desalento, e ele próprio pareceu forçado a sentar-se para não desfalecer então. Deixando pender a cabeça, deu livre curso às lágrimas que lhe inundavam as faces.
- Está tudo terminado - murmurava ele. - Que me resta agora? Fazê-lo cumprir os seus juramentos?.