- Oh meu Deus! Isto é impossível! - exclamou Bernardo caindo sobre os joelhos. - Valei-me, meus irmãos, que eu não posso ir... eu não tenho coração onde entre o pensamento de matar um homem...
O médico levantou-o, achegou-o do peito, e disse-lhe:
- Há um remédio.
- Qual?
- Foge... foge com ela.
- Fugir...! - acudiu Bernardo espavorido do alvitre.
- Sim, fugir; porque bem sabes os artigos dos estatutos dos “Divódis”; colaboraste neles. Lá diz que o sorteado para o efeito de máximo perigo, se se recusar, será morto e execrada a sua memória. Isto são palavras; mas há aí homens capacíssimos de executá-las à letra. Podes tu com a execração? Foge com a vida. Nós te defenderemos; nós te desculparemos; mas foge, e quanto antes, porque hoje são 16, e a deputação parte no dia 18. Foge para Espanha. Onde quer que estiveres, lá irá ter o teu património. Passados anos, a tal execração estará esquecida, e tu talvez louvado pela tua prudência. Foge, Bernardo...
- Não! - bradou energicamente o sorteado com as faces já demudadas da lividez em que lhas alvejara o refluxo do sangue ao coração. - Não fujo! A palavra “execração” soa-me pior que “morrer”. Lembraste bem: fui um dos colaboradores dos estatutos: não redigi esse artigo; mas aprovei-o. É necessário que eu vá!
Deteve-se por momentos silencioso e arquejante; em seguida saltaram-lhe dos olhos as lágrimas em torrentes, e os soluços pareciam um arrancar fulminante da vida. Os irmãos diziam-lhe palavras consoladoras.
- Deixai-me chorar! - exclamou ele. - Isto não é cobardia... é ela que me está apertando e matando o coração... a minha pobre Ricardina.
- De maneira que - interrompeu o médico sinceramente maravilhado - tu choras a perda de Ricardina como se o condenado a morrer fosses tu!
Bernardo olhou para o irmão e pensou para si que o médico, dizendo uma coisa trivial, parecia inspirado.