As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 7: VII Pág. 36 / 332

Esta quinta-essência da sensibilidade não lhe fora concedida. A gente da aldeia não conhece os prenúncios do amor, que os poetas têm apregoado no seu lirismo, a ponto de se acreditar por aí na universal realidade deles; sendo forçoso confessar que muita gente há, que nunca na vida sentiu os tais vagos e erráticos sintomas, a que me refiro, e que contudo amam ou amaram deveras. Se serão os bem, se os mal organizados, não me atreverei a decidir, mas que os há isso sustento eu. E Pedro era dos tais.

Querem saber como principiou nele a transformação a que aludo? Tudo veio naturalmente, sem aquela intensidade de fenómenos precursores, que, à imitação dos médicos, poderíamos talvez chamar críticos.

Um dia foi convidado para um serão. Aceitou contra vontade.

Lá divertiu-se mais do que julgou e voltou contente, dormindo a sono solto depois. Daí por adiante não faltava a nenhuma dessas assembleias campestres: fiadas, esfolhadas, espadeladas, ripadas; lá ia a todas com a sua viola, traste indispensável aos dandies da localidade.

Habituou-se por lá a conversar com as raparigas e, dentro em pouco, era mestre em trocadilhos e conceitos amorosos. Aventurou- -se uma vez a cantar ao desafio; a musa auxiliou-o, e dali em diante foi-lhe concedida a palma nesse género de certames.

Com tais predicados não lhe podiam escassear aventuras de amores; e não lhe escassearam.

Mas, em todo este tempo, e apesar de todas as ocorrências, continuava dormindo as suas noites placidamente e de um sono só; dando assim uma excelente lição a esse amantes wertherianos, que, por as mais pequenas coisas, perdem o sono e o apetite.

Ele não. Os seus arrufos, as suas contrariedades não chegavam a esses excessos. Com o amor dá-se o mesmo que com o vinho.





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