As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 8: VIII Pág. 45 / 332

Em uma noite de Inverno, a mãe de Clara deitara-se às nove horas com a filha; e por um requinte de crueldade estúpida, obrigara Margarida a conservar-se a pé serandando, até concluir certa tarefa que lhe marcara; e, ao deixá-la só, dirigiu-lhe estas palavras, cheias de humilhação, para a pobre rapariga:

- Minha rica, quem veio a este mundo, sem meios de levar melhor a vida, não deve perder o costume de trabalhar, nem ganhar outros, com que, ao depois, não possa. Fica a pé e tem-me essa obra acabada.

Margarida não tentou uma só queixa ou súplica, em seu favor.

Calou-se e obedeceu.

Era, como disse, no Inverno; fazia um frio excessivo. A lareira estava apagada já; da parede defumada pendia uma candeia, cuja luz bruxuleante era a única a iluminar o recinto. O vento assobiava nas inúmeras fendas da porta da cozinha e entrava em correntes impetuosas pelo tubo da chaminé, indo inteiriçar os membros regelados da desditosa criança, que, só a custo, podia já suster a roca e torcer o fio, para terminar o trabalho. O silêncio da noite era interrompido por mil ruídos sinistros, próprios para amedrontar as imaginações supersticiosas, como sempre, mais ou menos, são as da gente do campo.

Margarida, naquele momento, sentiu mais amarga, que nunca, a sua orfandade e o seu desamparo. Chorou, chorou a ponto de se sufocar, e pediu à Virgem que se compadecesse dela.

Lembrou-se então de quando a mandavam sozinha para o monte, e daquelas raras entreabertas de felicidade que lhe fizera sentir a companhia do pequeno Daniel.

As saudades desses dias nunca mais a deixaram. Com elas vivia sempre, com elas se achava só, quando, olhando para o passado, lhe pedia uma recordação de prazer, em paga de tanta tristeza que, no presente, lhe oferecia a vida, de tantas sombras, com que lhe vinha o futuro.





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