- Outro - continuava José das Dornas. - Disse que há muito pouca diferença entre um... um alimento ou elemento, diz que é a comida que a gente come, e um veneno.
João da Esquina já não podia espantar-se mais; limitou-se a observar com ironia:
- Pois, quando ele vier, cozinhe-lhe vossemecê um guisado de cabeças de fósforos com rosalgar, a ver como ele se dá. Se é a mesma coisa... Sempre ao que ouço! Estes médicos de agora!
- Enfim, mostrou muita outra coisa o rapaz e de que eu agora me não lembro. Pelos modos deixou-os todos maravilhados.
- Se lhe parece que não!... Sendo todas desse jaez.
Para os leitores, alheios a certas noções de ciência e que se sintam tentados, como o Sr. João da Esquina, a duvidar da veracidade de quanto José das Dornas referira, devo eu, em bem do carácter sisudo do honrado lavrador, acrescentar aqui, à maneira de nota elucidativa, que, informando-me com pessoa competente, soube que as proposições que tanto impressionaram o tendeiro tinham seus fundamentos em várias opiniões e teorias filosóficas, mais ou menos à moda.
Daniel, com o amor do extravagante, natural a quem deixa aos vinte anos os bancos das escolas, afeiçoara-se àquelas proposições que, formuladas, pudessem aparentar-se mais paradoxais, não hesitando em levar às últimas consequências os princípios sistemáticos de algumas escolas e seitas.
Esta vulgar tentação da juventude não lhe granjeou grandes créditos no conceito de João da Esquina, a cujo bom senso repugnavam as asserções, que, pelo relatório de José das Dornas, lhe vieram assim, nuas e cruas, ao conhecimento.
Assim que o lavrador voltou costas, João da Esquina murmurou com os seus botões:
- Nada, para mim não serve o doutor.