O Retrato de Ricardina - Cap. 20: CAPÍTULO XX - OBRAS DO TEMPO Pág. 129 / 178

A conversa estendeu-se até horas de estudo, sem deslizar da gravidade do assunto. Os dois beirões falaram sempre. Alexandre, que não tinha casos concernentes ao intuito da palestra, escutava-os mais impaciente que distraído.

Assim que saíram, Alexandre disse a sua mãe:

- Tomara eu que estes rapazes me deixassem! Tiram-me o tempo sem me entreterem. Eles estudam como ricos, e eu devo estudar como pobre. Quando se formarem, lá têm as suas casas; e eu hei de ir buscar vida como quem não tem outros recursos.

- Deus te abençoe, meu filho! - disse Ricardina afagando-lhe os longos cabelos negros que lhe ondeavam, consoante a moda, sobre os ombros. - Estuda, estuda; mas não me adoeças. Ainda temos um conto e trezentos mil réis em dinheiro para a tua formatura. Depois, irás advogar, que é um bonito modo de vida, ou pedirás um emprego... Que te contaram os teus amigos? - perguntou a mãe, adoçando a voz com um sorriso.

- Coisas lá de uma menina, que deu a luva a um deles, e casou depois com um visconde. Ora veja, minha mãe, que histórias! Que me importa a mim que a Sr.ª D. Matilde desse as luvas, e casasse com um visconde velho?

D. Ricardina falsificou em sorriso a tristeza com que escutava seu filho, o primo daquela Matilde que não lhe importava.

- Mal sabes tu!... - dizia ela de si consigo. - E há de ir até fim da vida este anjo sem conhecer seus parentes!

Não há para que nos demoremos em particularidades no decorrer dos cinco anos do estudante em Coimbra. Uma tão-somente sobreveio a enlutar o coração abafado, sem respiráculo por onde saíssem lágrimas a pedir consolações do filho. Pensava Ricardina que a sua irmã Eugénia, se soubesse que ela vivia, lhe não poderia negar afeto de irmã. Pensava em diversos modos de fazer-lho saber; mas todos eles desfechavam na penosa necessidade de romper o segredo da sua vida passada.





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