O Retrato de Ricardina - Cap. 7: CAPÍTULO VII - O QUE ELA PEDIA A JESUS Pág. 42 / 178

- Deus é Aquele! - e apontou para um retábulo em que se figurava o lance do horto de Gethsemani. Padre Leonardo não seguiu de olhos o dedo indicador do venerando prelado. Deu dois passos trémulos, apertou entre as mãos convulsas o chapéu de seda, e rouquejou:

- Sabe quem sou eu?

- Já recebi a notícia do seu nome, Sr. Abade de Espinho.

- Não sou abade de Espinho: sou homem; e, como homem, o meu nome é Leonardo Botelho de Queirós. Guarde bem de memória este nome, Sr. Bispo.

- O seu nome não me pertence. Respeite a jurisdição do seu prelado, Sr. Abade. Queira recomendar-se ao Sr. Bispo de Viseu, que me dizem ser bom

teólogo e exemplar príncipe da Igreja. No entanto, direi ao Sr. Leonardo Botelho de Queirós o que se diz a todo homem vicioso e corrompido: Nisi poenitentiam habueritis omites similiter peribitis. Palavras de S. Lucas, Sr. Abade... Et annuntiabam ut poenitentiam aegerent et converterentur ad Deum, digna poenitentiae opera facientes. Palavras dos “Actos dos Apóstolos”, Sr. Abade.

O padre Leonardo não sabia bastante latim: sem embargo, percebeu que o bispo lhe aconselhava penitência; com o quê, espirrou uma guinada de riso cínico, e voltou as costas ao respeitável admoestador, dizendo:

- Nós conversaremos em idioma português, Sr. Bispo.

- Necessário lhe será, Sr. Abade de Espinho - replicou suave e risonho o prelado.

Já se tinha divulgado em Lamego a chegada do tonsurado valentão, que por ali, na juventude, afamara o nome com façanhas condignas de outras da começada velhice. Os parentes esperavam-no atemorizados em frente do paço, e lastimavam a posição perigosa do bispo. Saíram-lhe ao encontro, quebrando-lhe os assomos com judiciosas reflexões, tendentes a convencerem-no da desairosa saída que ele ia dando em conjunção de tamanho melindre para si e mais ainda para D.





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