O Retrato de Ricardina - Cap. 10: CAPÍTULO X - A SORTE Pág. 62 / 178

Isabel Maria, a certeza da licença para esposar-se com Ricardina, sem impedimento da recusação do abade. Louco da ventura em que ela via o honesto amor do seu leal amigo, voltou para Coimbra antes do romper do dia, e encontrou os irmãos ainda a pé.

- Vocês já se ergueram?! - perguntou ele espantado.

- Ainda nos não deitámos - respondeu o médico fundamente triste.

- Que tens? - disse Bernardo Moniz. - Porque mandaram chamar-me!?... Vocês estão fúnebres! Esperam ser riscados? Isso que faz? Precisaremos nós do grau de bacharéis para viver?

- Estás longe de compreender a nossa agonia - disse o teólogo.

- Fala, homem! Histórias do abade?

- Não. Sabê-lo-ias, se cá tivesses passado esta noite, a mais horrorosa que ainda tivemos.

- Vocês?!

- Sim... Sabias que nos reuníamos esta noite por causa da deputação?

- Sim, sabia...

- O Mateus e o Figueiredo foram votados à morte.

- Era de esperar essa rapaziada - objetou Bernardo. - E vocês não se opuseram?

- Quisemos; mas sufocou-nos a maioria.

- É uma tolice que não pode ir avante - volveu o jurista. - Na primeira reunião irei falar.

- Vais tarde, Bernardo. Os lentes foram condenados a morrer no caminho de Lisboa.

- É horrível; mas então!... Vocês definham-se por Isso?... Provavelmente hão de tirar-se à sorte os executores... É isso que vos aterra? São duzentos os sorteados...

- Já se tiraram...

- Quantos?

- Treze.

- Quem saiu? Algum de vocês!? - perguntou impetuosamente Bernardo.

Calaram-se os irmãos, olhando um no outro com os olhos húmidos. Bernardo levou as mãos ao seio onde sentira o trespassar de uma lança. Tinha lido a resposta nas lágrimas dos irmãos. Avançou de salto para eles; olhou-os muito de frente, e desafogou estas vozes roucas:

- Sou eu um dos sorteados?

- És - conclamaram os irmãos, abraçando-o.





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