Madame Bovary - Cap. 31: VIII Pág. 356 / 382

Tinha-lhe agarrado as mãos e segurava-as, estremecendo a cada batida do coração, como que em reflexo do desabar duma ruína. A medida que o estertor se tornava mais forte, o clérigo precipitava as suas orações; misturavam-se com os soluços abafados de Bovary, e às vezes tudo parecia confundir-se no surdo murmúrio das sílabas do latim, que soavam como dobre de sinos.

Subitamente ouviu-se no passeio um ruído de grossos tamancos, juntamente com o arrastar dum cajado; e uma voz rouca que começou a cantar:


Quantas vezes um belo dia de calor
Faz sonhar as meninas com amor.

Emma ergueu-se como um cadáver galvanizado, com os cabelos soltos, o olhar fixo, a boca aberta.


Para apanhar as espigas
Que os moços foram ceifar,
Nanette com as raparigas
Andou no campo a cantar.

- O cego! - exclamou ela.

E pôs-se a rir, com um riso atroz, frenético, desesperado, julgando ver o rosto horrendo do miserável, que se erguia nas trevas eternas como um espantalho.


Mas tanto o vento soprou
Que a saia lhe levantou!

Uma convulsão fê-la cair de novo sobre a cama, todos se aproximaram.

Deixara de existir.





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