Era meio-dia, um meio-dia de verão, ardente, asfixiante, calcinador, a hora em que tudo repousa, em que as aves se escondem na folhagem, as plantas inclinam as sumidades, desfalecidas de seiva, e os ribeiros quase nem murmuram, de débeis e de exaustos que vão.
Nem uma ténue viração fazia sussurrar as alamedas e os soutos nos vales ou os pinheirais dos montes.
Apenas pelas sarças volteavam, como em danças caprichosas, enxames de insectos alados, sendo o seu zumbido importuno ou o cantar longínquo dos galos os únicos sons a interromperem o silêncio daquela hora.
Os caminhos e os campos estavam desertos; povoadas e fumegantes as cozinhas, onde a família do lavrador se reúne para a refeição principal do dia.
Mas quem estendesse a vista pelo extenso lanço de estrada a macadame, que corta em linha recta a povoação, e onde, naquele momento, o Sol batia em cheio, sem ser impedido por a menor folha de árvore ou beira de telhado, descobriria o vulto de um cavaleiro, caminhando a trote e envolto na densa nuvem de poeira levantada pelos pés da cavalgadura.
Este cavaleiro era João Semana.
Trajava com toda a singeleza, o velho cirurgião. Um fato completo de linho cru, botas amarelas de solidez de construção, à prova de todo o tempo, chapéu de palha, de abas descomunais, tudo abrigado daquele sol canicular por a enorme umbela de paninho vermelho, rival em dimensões de uma tenda de campanha, eis o vestido característico do nosso homem.
As rédeas flutuavam à solta, sinal evidente da distracção do cavaleiro e dos admiráveis instintos e superior discrição da alimária, que mostrava conhecer a palmos o caminho de casa e para ela se dirigia mais apressada que de costume.
Causava dó olhar para a fisionomia de João Semana naquela ocasião.