As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 17: XVII Pág. 110 / 332

As faces, de vermelhas que naturalmente eram, quase se lhe haviam feito negras; o suor corria-lhe como lágrimas, pelas faces abaixo.

Mas o heróico octogenário não desanimava. Sorvia filosoficamente a sua pitada, assoava-se com ruído, e soltando depois um daqueles ahs bem guturais - eloquentíssima expressão das delícias que o olfacto pode proporcionar a um mortal - dava mostras de consolado.

De caminho, ia João Semana lançando um olhar de comiseração para o milho dos campos adjacentes à estrada, algum do qual o calor e a escassez das águas tinham definhado; e ao contemplá-lo parecia mais sentir por ele, do que por si, a insuportável temperatura daquele ambiente.

João Semana era também proprietário rural, e portanto apaixonado pela lavoura, conhecedor das leis de cultura, e experiente prognosticador do futuro das novidades agrícolas; por isso, examinando com profunda curiosidade o aspecto dos campos, cujos donos, pela maior parte conhecia, quase chegara a esquecer-se de que um ardentíssimo sol lhe dardejava sobre a cabeça raios ameaçadores, tentando em vão exercer naquela robusta constituição a sua influência maligna.

A égua é que se não esquecia assim facilmente disso, e, cada vez mais rápida, procurava furtar-se a tão incómodo calor, e ao seu inevitável cortejo de moscas, que a traziam impaciente, não obstante os folhudos ramos de carvalho, com os quais João Semana lhe enfeitara o pescoço.

Depois de cinco minutos mais de trote acelerado, tomou o pobre animal, com manifesta ansiedade e sem esperar sinal do cavaleiro, por uma rua estreita, que, abrindo-se ao lado esquerdo da estrada, seguia, sob espesso toldo de verdura, por entre duas quintas fronteiras.

Era um oásis, depois do deserto.

João Semana, porém, parecia tão indiferente ao vantajoso da mudança, como o fora à desagradabilíssima influência dos raios do Sol, em campo descoberto.





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