As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 17: XVII Pág. 116 / 332

Morres impenitente.

- Como queres tu que eu lhes perdoe o terem gozado sem mim daquela santa vida de convento?

- Santa, sim; porém sem mortificações, não.

- Oh! decerto que não. Os melhores cozinheiros têm às vezes os seus descuidos, e os paladares de V. Rev.ma, lá de quando em quando, aturavam o esturro no arroz, sal a mais na sopa, pimenta de menos no guisado, ou outra coisa assim, lá isso...

- Valha-te não sei que diga. A vida é para ti, homem, que, com oitenta, estás fero e robusto, e levas jeito de assistir ao nascimento do século vinte.

- É para veres de que fêveras eu sou. Se tivesse a tua vida, viveria como Noé. Mas tu estás de palanque e à fresca, e eu aqui estatelado a dar-te trela. Adeus, meu amigo.

- Olha cá, espera, homem. Então nem um cálice do meu bastardo, hem? Olha que é do que tu gostas.

- Prefiro uma garrafa em minha casa.

- Lá franco no pedir és tu! Mas do que ninguém se gaba é de saber o gosto ao teu moscatel.

- Querias talvez que eu te mandasse um presente de vinho?!

Era o que me faltava! Presentes de vinho! E a um frade!...

E, dizendo isto, pôs-se a caminho, achando-se, dentro em pouco, a distância já considerável da residência.

De repente, como se lhe ocorresse uma lembrança, cuja comunicação não podia sofrer demoras, voltou de novo atrás, e elevando a voz:

- Ó Abade? tu não sabes a história daquele frade franciscano, que...?

- Não sei, não; ora conta lá, João Semana, conta - disse o reitor, debruçando-se no peitoril da janela, e já com aspecto risonho.

- Havia lá no convento - principiou João Semana - uma pintura muito grande, representando a ceia de Cristo; e era esta pintura a que mais atraía as meditações piedosas do tal reverendo, o qual de olhos fitos naquele quadro passava horas e horas esquecido de tudo o mais.





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