As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 18: XVIII Pág. 122 / 332

A cozinha de João Semana era de um carácter portuguesíssimo e eu, ainda que me valha a confissão os desagrados de alguma leitora elegante, francamente declaro aqui que, para mim, a cozinha portuguesa é das melhores cozinhas do mundo.

Dou razão nisto a João Semana.

As combinações extravagantes das cozinhas estrangeiras - os galicismos culinários, por exemplo - repugnavam-lhe tanto ao estômago, como aos ouvidos, mais pechosamente sensíveis, dos nossos severos puritanos a outra qualidade de galicismos.

Queria-se ele com a carne bem assada e o arroz do forno, açafroado - esses dois importantes elementos de gozo para os paladares portugueses; queria-se com o prato clássico da orelheira de porco e até com aquele outro prato, tão castiço como qualquer período de Fr. Luís de Sousa - prato, que valeu aos portugueses um epíteto gloriosamente burlesco; queria-se com todas estas iguarias, quase desterradas das mesas modernas, de preferência aos manjares exóticos, cuja nomenclatura tem a propriedade de fazer ignorar ao conviva o que lhe dão a comer.

Por isso João Semana, nas raras vezes que vinha ao Porto, era freguês certo nas mesas do Rainha, as únicas que mantêm, sem mescla de estrangeirices, as velhas tradições nacionais.

Em Portugal, terra de lhaneza um pouco rude, mas não afectada, o dono da casa não costumava dantes experimentar a imaginação dos seus convidados com enigmas culinários.

Não havia cá a usança de se dar a qualquer pastel ou empada o nome de um general de exército; a qualquer açorda o de um ministro célebre; a qualquer doce balofo e insípido o de um poeta da moda.

Este costume, graças ao qual parece que os modernos Vatéis misturam às vezes aos ingredientes dos seus tachos e caçarolas um pouco do sal da sátira, era desconhecido entre nós.





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