As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 20: XX Pág. 138 / 332

- Acha?

Esta pergunta, ou mais do que ela, a inflexão de voz com que foi dita, o olhar de que foi acompanhada, era imprudente.

Clara desviou a vista diante desse olhar de Daniel.

- Ouça - disse ela, mais séria já do que até ali. A gente tem sempre no coração duas afeições diferentes, penso eu; uma, que se dá toda a uma pessoa, e julgo que uma vez só na vida; outra, que se dá às porções, mais a uns, menos a outros, mas que nunca se acaba. Para querer a este pobre velho, que ali está dentro - e quero-lhe deveras - nada tive de tirar à afeição grande, que tinha a Margarida. Conte por isso que ainda tenho afeição - dessa - para lhe dar. A Guida não terá que sofrer com isso... nem os outros.

Havia uma delicada correcção nestas palavras de Clara, que produziu efeito no ânimo de Daniel. Inclinou-se, e com não constrangido sorriso, replicou, estendendo-lhe a mão:

- Agradecido, Clarinha. Essa mesma é a que me deve; pois não seremos dentro em pouco tempo irmãos?

Clara, já outra vez risonha, correspondeu ao cumprimento do irmão do seu noivo, sem a menor reserva desfavorável.

E separaram-se.

- Que diabo de homem sou eu? - dizia Daniel consigo. - Pois não ia principiando a apaixonar-me por a mulher de meu irmão?

Quando terei eu força para me vencer nestas coisas? Mas é que tem uns olhos esta rapariga, e umas maneiras!...

E, sob o domínio destas novas impressões, a impressão que da carta de Margarida havia recebido desvanecera-se de todo.

Não era porém esta a única mudança que se tinha de operar nele, aquele dia.





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