- Nervoso! Então também é nervoso? Eu cuidei que isso era só das senhoras da cidade.
- Enganava-se.
- Então que é ser nervoso?
- É... por exemplo não ter firmeza na mão ao escrever, quando nos seguem os movimentos uns olhos... assim como os seus, Clarinha.
- Ah! Deve ser então bem má doença, que obriga os outros a andarem com os olhos fechados - redarguiu Clara, com certo tom de zombaria.
Daniel ia a replicar, quando um gemido do enfermo chamou Clara à alcova.
Enfim, passados alguns segundos, Daniel muito a custo preparava- se para sair.
Clara voltou, trazendo-lhe água para as mãos; - acto naturalíssimo e sem significação - porém Daniel era destes homens, para quem quase não há actos sem significação.
Lavando-se, enquanto Clara lhe sustentava a bacia, aventurou um olhar para a gentil rapariga, a qual o recebeu com firmeza.
Como esse olhar se prolongasse, Clara disse, com um sorriso de ironia, aparente através do gesto de ingenuidade, de que o acompanhou:
- Está tão distraído, a pensar... no seu doente talvez, que nem repara que se está a lavar em seco.
Daniel baixou os olhos e abreviou a operação. Quando ia a retirar- se, ouviu Clara que lhe dizia gracejando:
- Quanto se lhe deve pela visita, Sr. Doutor?
A esta pergunta, esteve eminente a sair da boca de Daniel um galanteio, que ele susteve a tempo, por não sei que pressentimento, que lhe dizia que esse jogo podia ter seus perigos. Limitou-se pois a responder:
- Deve-me um pouco de afeição pela boa vontade, quando por mais não seja.
- Já vejo que é fácil contentar.
- Acha então de pouco valor a afeição?
- Como não pede muita...
- É que receio que já não tenha muita para dar.
- Tão pobre me faz disso?
- Pois não dispôs já da melhor?
- A afeição de que dispus não lhe podia servir.