As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 29: XXIX Pág. 198 / 332

XXIX

A esfolhada fez-se na eira espaçosa e desafogada de José das Dornas e por formosíssima noite de luar como o dia.

O ser alumiada pelo luar é uma circunstância que redobra o valor da festa.

Eu creio nas influências planetárias - perdoem-me a fragilidade astrológica os homens da ciência positiva. - Bem sei que passou já de moda esta crença, tão arreigada nos mais severos espíritos de outros tempos; mas, por mim, ainda me não pude resolver a romper com ela de todo.

Penso eu que o moral e o físico da humanidade andam sob o império de forças multiplicadíssimas, muitas das quais ainda estão por descobrir ou estudar, e não vejo que se possa desde já excluir do rol delas a luz desse planeta pálido, tão querido de amantes e de poetas.

Digam-me, por exemplo, se uma esfolhada ao meio-dia pode ter nunca a índole jovial das que se fazem à claridade da lua? - se nela se concedem beijos e abraços, com tão poucos escrúpulos? - se a gente se ri com igual vontade e franqueza? E não me venham explicar isto só pelo efeito da meia obscuridade, que serena as repugnâncias dos tímidos, e excita a audácia dos arrojados; porque nunca vi elevarem-se ao mesmo grau de intensidade essas ruidosas alegrias e folguedos, quando a luz, ainda menos limpa de sombras, duma só lâmpada ilumina o lugar do serão.

Forçosamente tem a Lua parte nisto. Não sei o que há na atmosfera em uma noite assim!

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de 312 XXIX O espírito, mais embotado para as suaves comoções da poesia, parece receber então um raio de lucidez e acreditar vagamente na existência de alguma coisa, acima dos prosaicos interesses da vida positiva; os corações, mais fechados a arroubamentos de amor, sentem- se embrandecer; e de mais de um consta haver infringido, em noites dessas, velhos e porfiados protestos de isenção.





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