As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 29: XXIX Pág. 207 / 332

Além de que, a noite era de luar; daquele luar de que falei, magnético, inebriante, que exalta a imaginação, que a inquieta, e nos predispõe a sonhar! E então uma imaginação como a de Daniel!

Havia de mais a mais outra circunstância, que concorria para produzir nele estes efeitos excepcionais.

As raparigas não lhe concediam os abraços, marcados pelos estatutos da festa, com a mesma pronta familiaridade, com que os outros os obtinham. Não obstante ter cessado já o constrangimento do princípio da noite, e não pesarem em ninguém as primeiras prevenções contra o cantor das trigueiras, contudo, na ocasião crítica, no momento do abraço, havia nas menos tímidas um ar de pudica hesitação, nas faces adivinhava-se-lhes um rubor, no baixar dos olhos uma eloquência, que centuplicavam o valor dos tais abraços e, forçoso é confessá-lo, alteravam-lhes também um pouco a significação.

Quando se concede ou recebe um abraço, corando, é porque palpita o coração; e cada palpitação do coração é um fenómeno cheio de grandes mistérios, que perturbam o pensamento de quem neles considera.

O de Daniel não estava muito sereno já, quando chegou a vez a Clara de cumprir a sentença também.

Levantou-se imediatamente a irmã de Margarida e, com o desembaraço, que lhe era próprio, começou pela esquerda a sua «via-sacra» como ela, rindo, lhe chamou. Pela ordem que levava devia ser Daniel o último, a quem tinha de abraçar. Ao chegar junto dele, parte da natural audácia a abandonou.

Já antes notara ela alguma coisa de particular nos olhares e nas maneiras do irmão de seu noivo, que tinha diminuído a familiaridade, com que ao princípio o acolhera, e diminuído na proporção, em que nas outras crescia.

Foi quase a tremer, que ela o abraçou.





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