As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 30: XXX Pág. 215 / 332

Correram alguns dias depois destes acontecimentos. Persistindo ainda os mesmos estorvos ao projectado e decidido casamento de Pedro, passava este tempo em trabalhos campestres, e Clara, ocupando-se na feitura do enxoval, em que era ajudada pela irmã.

Daniel, ainda sem cuidados de clínica, prosseguia nas excursões venatórias pelos arredores. Havia, porém, muitas ocasiões em que ele voltava a casa sem ter disparado um tiro, o que não o afligia demasiadamente.

Pedro renovava então as suas prelecções sobre a caça e instruía Daniel a respeito dos lugares da aldeia, mais abundantes nela.

Do que Daniel não se esquecia era de passar todos os dias à porta das duas irmãs, que ambas o viam e, pode-se até dizer, o esperavam já. Margarida ocultava-se, porém, mal o sentia; Clara, pelo contrário, inclinava-se ao peitoril, e, sorrindo, correspondia à saudação do caçador.

Era mais outra inconsideração de Clara. Conseguiu persuadir- -se esta boa rapariga que era obrigada àquilo, para compensar a demasiada severidade com a qual, no seu entender, tratara Daniel na noite da esfolhada e sem se lembrar que, não obstante o seu próximo parentesco com ele justificar estas familiaridades, a má reputação que Daniel gozava na aldeia e a fértil imaginação dos noveleiros locais, as faziam um pouco imprudentes.

De facto, já nos círculos da terra constava da predilecção de Daniel pela rua em que moravam as duas raparigas; e falava-se disto com certos olhares, com certas reticências e sorrisos, mais malignamente eloquentes, do que murmurações explícitas.

Escusado será dizer que na loja do Sr. João da Esquina encontravam estas meias vozes eco admirável.

Daniel concorreu para exacerbar esses vagos rumores populares.

Um dia, em que se entretivera meia hora conversando da rua para Clara, passou, ao retirar-se, por um jornaleiro, que trabalhava a pouca distância dali.





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