As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 39: XXXIX Pág. 289 / 332

ascetismo, quantas vezes se esconde folgada a devassidão, que não duvida ornar o pescoço de camândulas e bentinhos, e vê na excitação nervosa, produzida pelos jejuns, um alimento a favorecê-la?

O horror ao escândalo, eis o que caracteriza esta moral de Tartufo.

Salvem-se as aparências, rezem-se as devoções todas, e a culpa será atenuada.

Traz-se, por exemplo, o pulso cingido por uma cadeia de aço, benzida de certa forma - distintivo das escravas de Nossa Senhora - cadeia milagrosa, que, asseguram os missionários por lá, tem a propriedade de se alargar ou apertar de per si, de modo a andar sempre justa ao braço quer este engorde quer emagreça; pois já o Diabo não se atreve, contra quem usa desse talismã.

Ora digam se, quando não seja senão para aperrar o Diabo, não dá logo vontade de experimentar a eficácia da cadeia, cometendo um delito?

Era pois a Sr.ª Josefa da Graça a mais famigerada vergôntea deste viveiro de aspirantes a santas, que se estava organizando na aldeia. O reitor, que não era para imposturas, tratava-as a todas com aspereza, o que não lhe granjeava muitas simpatias neste beato congresso.

- Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo - disse ao entrar na loja, e com voz dolentemente melodiosa, a santa de que falamos.

- Para sempre seja o Senhor louvado - respondeu-lhe, menos beatamente, a Sr.ª Teresa.

- Faz-me o favor de me vender duas velinhas de cera para uma promessa que fiz ao Divino Coração de Maria, Sr. João, e que seja pelas Divinas Chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo.

João da Esquina satisfez prontamente a requisição, mas enquanto o fazia, perguntou:

- Então que houve esta noite lá pelas suas vizinhanças, ti’Zefa?

- Eu sei, filho? Eu, de portas para fora, nada posso dizer.





Os capítulos deste livro