As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 9: IX Pág. 57 / 332

Adquirira já o hábito da tristeza e das lágrimas, e este, como todos os hábitos, não se perde facilmente.

No meio, pois, das recentes felicidades da sua vida, ela própria por muitas vezes se surpreendia a chorar.

- Não é isto uma ofensa a Deus? - dizia então consigo. - Porque choro eu? Não tenho a amizade de Clara, amizade extremosa, como ainda a não recebi de ninguém? Eu devo estar alegre e bendizer ao Senhor, que não desvia de mim os seus olhares de misericórdia.

Em um momento de expansiva conversação, Clara disse-lhe um dia, vendo-a assim triste:

- Não me dirás tu, Guida, o que hei-de fazer para te ver rir e estar alegre?

- Olha, Clarinha, a gente é como as flores, que umas nascem com cores vermelhas que alegram, outras com cores escuras que entristecem. Olha tu as violetas e os suspiros. Que te digam porque nasceram assim e porque, crescendo na mesma terra e sendo alumiadas pelo mesmo Sol, não têm as cores brilhantes da rosa.

- Bem respondido, sim, senhora; daqui em diante hei-de chamar- te sempre a minha violeta.

- Criança! E tu, Clarinha, nunca te sentes triste?

- Triste porquê? Que tenho eu a desejar para ser feliz de todo?

- Tens razão. Tu... nada.

- E tu? - perguntou Clara, fitando os olhos na irmã.

- Eu...

E Margarida sem responder ficava mais triste ainda do que até ali.

Clara impacientou-se.

- Olha, Guida. Há muito que ando com vontade de te dizer uma coisa; mas... como que até me chega vergonha de te falar nisto. Eu não entendo nada destes enredos de justiça; mas... lembra- me, em vida de minha mãe, ouvir-te dizer muitas vezes que...

nada disto era teu e... que dela recebias tu... a... a...

- A esmola do agasalho, que me dava; e era... e é assim.

- E era e é assim!.





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