No meio, pois, das recentes felicidades da sua vida, ela própria por muitas vezes se surpreendia a chorar.
- Não é isto uma ofensa a Deus? - dizia então consigo. - Porque choro eu? Não tenho a amizade de Clara, amizade extremosa, como ainda a não recebi de ninguém? Eu devo estar alegre e bendizer ao Senhor, que não desvia de mim os seus olhares de misericórdia.
Em um momento de expansiva conversação, Clara disse-lhe um dia, vendo-a assim triste:
- Não me dirás tu, Guida, o que hei-de fazer para te ver rir e estar alegre?
- Olha, Clarinha, a gente é como as flores, que umas nascem com cores vermelhas que alegram, outras com cores escuras que entristecem. Olha tu as violetas e os suspiros. Que te digam porque nasceram assim e porque, crescendo na mesma terra e sendo alumiadas pelo mesmo Sol, não têm as cores brilhantes da rosa.
- Bem respondido, sim, senhora; daqui em diante hei-de chamar- te sempre a minha violeta.
- Criança! E tu, Clarinha, nunca te sentes triste?
- Triste porquê? Que tenho eu a desejar para ser feliz de todo?
- Tens razão. Tu... nada.
- E tu? - perguntou Clara, fitando os olhos na irmã.
- Eu...
E Margarida sem responder ficava mais triste ainda do que até ali.
Clara impacientou-se.
- Olha, Guida. Há muito que ando com vontade de te dizer uma coisa; mas... como que até me chega vergonha de te falar nisto. Eu não entendo nada destes enredos de justiça; mas... lembra- me, em vida de minha mãe, ouvir-te dizer muitas vezes que...
nada disto era teu e... que dela recebias tu... a... a...
- A esmola do agasalho, que me dava; e era... e é assim.
- E era e é assim!.