Reitor te ouvia...
- Mas que se diria de mim, Guida? Sempre tens coisas! Repara bem, que se diria de mim?
- Que és uma boa alma, Clarinha, que tu repartes comigo a tua casa, o teu...
- Guida! - exclamou Clara, interrompendo-a com um tom de repreensão.
- E que se dirá de mim, se não concederes o que te peço? o que se terá já dito?
- Que és muito boa em não me abandonares, em me dares conselhos, em me perdoares as minhas doidices.
- Mas não é também por o que dirão, que eu te peço isto, não; é, porque o coração me leva a pedir-to.
- Guida, por amor de Deus! Perde essa ideia! É uma desfeita que me fazes.
- Não é, minha filha, não é. Pois bem, pergunte-se ao Sr. Reitor e se ele disser que...
- Ora, o Sr. Reitor, sim! Basta ser pedido teu para ele o aprovar.
- Estás sendo muito má - disse Margarida afagando-a.
Depois de alguma luta, foi resolvido consultar o pároco, ficando cada uma com a liberdade de pleitear a causa própria.
Clara tinha alguma razão em suspeitar da imparcialidade do juiz. O pároco, tutor das duas raparigas, costumara-se a admirar o bom senso e inteligência superior de Margarida a ponto de confiar mais nela, do que em si mesmo.
Decidiu pois a demanda a favor da irmã mais velha, excitando contra si um amuo de Clara, que durou três dias. Era extensão excepcional nos despeitos da boa rapariga; mas é que desta vez sempre se tratava de Margarida, e em tais assuntos Clara era intolerante.
Em resultado de tudo isto, passados dias, começou Margarida a sua tarefa de educação, à qual se entregava com amor. As crianças afluíam-lhe, atraídas por aquela suavidade de maneiras, que constituía um dos mais fortes atractivos do carácter dela.
Esta fase mais bonançosa da existência de Margarida já não conseguiu porém modificar-lhe o carácter pensativo e suavemente melancólico, que a infância oprimida lhe fizera contrair.