As Pupilas do Senhor Reitor - Cap. 11: XI Pág. 72 / 332

Mas que ande quem quiser com as mãos pelo chão, que eu por mim...

- Outro - continuava José das Dornas. - Disse que há muito pouca diferença entre um... um alimento ou elemento, diz que é a comida que a gente come, e um veneno.

João da Esquina já não podia espantar-se mais; limitou-se a observar com ironia:

- Pois, quando ele vier, cozinhe-lhe vossemecê um guisado de cabeças de fósforos com rosalgar, a ver como ele se dá. Se é a mesma coisa... Sempre ao que ouço! Estes médicos de agora!

- Enfim, mostrou muita outra coisa o rapaz e de que eu agora me não lembro. Pelos modos deixou-os todos maravilhados.

- Se lhe parece que não!... Sendo todas desse jaez.

Para os leitores, alheios a certas noções de ciência e que se sintam tentados, como o Sr. João da Esquina, a duvidar da veracidade de quanto José das Dornas referira, devo eu, em bem do carácter sisudo do honrado lavrador, acrescentar aqui, à maneira de nota elucidativa, que, informando-me com pessoa competente, soube que as proposições que tanto impressionaram o tendeiro tinham seus fundamentos em várias opiniões e teorias filosóficas, mais ou menos à moda.

Daniel, com o amor do extravagante, natural a quem deixa aos vinte anos os bancos das escolas, afeiçoara-se àquelas proposições que, formuladas, pudessem aparentar-se mais paradoxais, não hesitando em levar às últimas consequências os princípios sistemáticos de algumas escolas e seitas.

Esta vulgar tentação da juventude não lhe granjeou grandes créditos no conceito de João da Esquina, a cujo bom senso repugnavam as asserções, que, pelo relatório de José das Dornas, lhe vieram assim, nuas e cruas, ao conhecimento.

Assim que o lavrador voltou costas, João da Esquina murmurou com os seus botões:

- Nada, para mim não serve o doutor.





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