CAPÍTULO XIX - TÁBUA DE SALVAÇÃO O procurador dos Pimenteis, em Lisboa, recebeu a nova da remessa de uma menina, e o pedido de hospedá-la na sua casa enquanto o seu capelão lhe preparava mosteiro ou recolhimento. Ricardina chegou depois da notícia. Receberam-na as senhoras da casa afavelmente, conduziram-na ao seu quarto, e, por delicadeza, deixaram-na sozinha assim que a viram em dolorosa luta consigo mesma para reter e ocultar as lágrimas.
O capelão confiou ao hóspede a tragédia da filha do abade; porém, rápido na história e austero nas observações que lhe embrechava, pusera o objectivo em desviar de Ricardina a piedade das senhoras, porque não sucedesse a comiseração estorvar a entrada no recolhimento. Não obstante o extremado infortúnio dela, sem amiserar-se com implorativos queixumes, careou a indulgência, e mais que tudo a calorosa simpatia de uma brasileira, que viuvara em Lisboa, e frequentava a casa do solicitador, seu agente na liquidação dos bens. Era D. Ifigénia senhora já de 50 anos, triste, e sempre remordida mais de remorsos que de saudades de uma filha única, morta de desgosto em seguimento de um noivado a que fora compelida pelo pai. A pungente dor da mãe era não ter querido proteger a filha, quando ela suplicava o seu auxílio. De aqui porventura, procedeu o inclinar-se benigna às desgraças de Ricardina, e o desculpá-la quando a rígida esposa do procurador, diante das suas filhas, e a ocultas da hóspede, encarecia a criminalidade e as funestas saídas da desobediência aos pais.
Insinuou-se a viúva no ânimo de Ricardina, tão carecida de coração caridoso que, sobre perdoar-lhe, chorasse com ela. Passavam horas uma com outra, e disso comprazia-se grandemente a dona da casa. Era a melhor maneira de trazer as filhas donzelas arredadas da hóspede suspeita de peste contagiosa.