O Ingénuo - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 44 / 91

Depois de ler o segundo volume, já não ficou tão satisfeito e concluiu que era mais fácil destruir que edificar.

O padre, espantado de que um jovem ignorante fizesse uma reflexão tão própria de almas experientes, teve em grande consideração o seu espírito e mais se afeiçoou ao companheiro.

- Este seu Malebranche - disse-lhe um dia o Ingénuo - me parece ter escrito a metade do livro com a razão, e a outra com a sua imaginação e os seus preconceitos.

Alguns dias depois, perguntou-lhe Gordon:

- Que pensas então da alma, da maneira como recebemos as nossas ideias, da nossa vontade, da graça, do livre arbítrio?

- Nada - respondeu o Ingénuo. - Se alguma cousa penso é que estamos sob o poder do Ser Eterno, como os astros e os elementos, que Ele faz tudo em nós, pequenas engrenagens que somos na imensa máquina de que Ele é a alma; que Ele exerce a sua ação por leis gerais e não com objetivos particulares; só isto me parece inteligível, o resto é para mim um abismo de trevas.

- Mas, meu filho, isso seria fazer de Deus autor do pecado.

- No entanto, meu padre, a sua graça eficaz também faria de Deus autor do pecado: pois é certo que todos aqueles a quem a sua graça seria recusada pecariam; e quem nos abandona ao mal não é autor do nosso mal?

Tal simplicidade embaraçava o bom do velho; ele próprio sentia os seus vãos esforços para safar-se do atoleiro e acumulava tantas palavras que pareciam ter sentido e não o tinham (no gênero da premonição física, por exemplo) que o Ingénuo chegava a sentir piedade.





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