Passado tempo, marta saiu pronta da mestra. Lia a cartilha do Salamondi e o grito das almas, decifrava menos mal uma sentenças velhas, que havia na casa de Prazins, monumentos das ruínas de antigas demandas, e escrevia regularmente. A primeira carta que escreveu por pauta foi para o tio de Pernambuco, o tio Feliciano. Pedia-lhe a sua bênção e duas moedas de ouro para umas arrecadas. Era o pai que lhe ditava a carta, cheia de lástimas mendigas, mentirosas, historietas velhacas de penhoras, as grandes décimas, a ferrugem das oliveiras, o bicho da batata, o gorgulho que pegara no milho, muitas alicantinas.
- Que era a ver se o ladrão mandava alguma coisa - dizia ele, pondo cuspo na obreia vermelha para fechar a carta.
A segunda carta que ela escreveu, já sem pauta, foi a José dias, ao estudante, que já não estudava por causa das memórias nocivas à sua saúde fraca, um pelém.
Neste tempo já o Zeferino da lamela se tinha declarado com o Simeão de Prazins, de um modo quase original.
- Você quanto deve, ó tio Simeão? - perguntou.
- Quanto devo? Você quer pagar-me as dívidas?
- Pode ser. Você deve à irmandade da nossa senhora de Negrelos um conto e cem mil-réis; você deve de tornas ao seu irmão quatrocentos. Há de andar lá para um conto e quinhentos, para riba que não para baixo.
- É isso; você sabe a minha vida melhor que eu a sua - um conto e quinhentos e pico.
- Quanto é o pico?
- Obra de dez moedas, mais pinto menos pinto. Miudezas na loja ao mercador e um restrito da vaca amarela que comprei ao tarraxa na feira dos 13.
- Você quer fazer um cambalacho? - disse o pedreiro recuando o chapéu para a nuca e pondo-lhe as mãos espalmadas com força nos ombros.
- Se pintar... Já sei o que você quer... Não me serve.