A respeito deste desastroso remate do ébrio ilustre, escreve pinho leal: nesta retirada pelas duas ou três horas da noite, morreu em marcha com uma apoplexia fulminante o f...(*) coitado! Quando me lembra isto ainda tenho cá meus remorsos de consciência. Quem sabe se seria eu a causa da morte daquele pobre diabo? Consola-me porém a certeza de que, mesmo que eu fosse a causa indireta da morte do fidalgote, poupei muitas vidas de gente nova (e a minha que era o principal para mim); e o morto já poucos anos podia durar, pois estava no calçado velho.
[(*)Quando pinho leal publicar as suas memórias, então se saberá o verdadeiro nome do morto.]
Zeferino e alguns homens da comitiva do Cerveira passaram o restante da noite à beira do cadáver do fidalgo de quadros. À claridade fusca da manhã invernosa viram-lhe o rosto que metia pavor. Quiseram cerrar-lhe as pálpebras que resistiam à distensão, coriáceas, num retesamento orgástico. A maxila inferior parecia deslocada e torta, repuxando a comissura direita dos lábios num esgar de escárnio ou de angústia dilacerante. A cor do rosto era agora de uma amarelidão de barro, molhado pelo orvalho que se filtrara através do lenço com que lho cobriram. Tinha os dedos aduncos, inflexíveis, e uma das mãos afincada como garra nas correias da pasta.
O Zeferino disse que o seu tenente-coronel devia trazer um cinturão com dinheiro em ouro; mas ninguém ousou desabotoar a farda do morto defendido pelo sagrado terror da morte.
Apenas uma das sentinelas entanguidas de frio, votou que se bebesse o resto da genebra. Assim que foi dia claro, o Zeferino desceu à igreja próxima, a Margaride, avisar o pároco que tinha morrido na estrada um fidalgo do exército do Sr. D. Miguel. O padre, estremunhado e liberal, respondeu que não era coveiro; que se dirigisse ao regedor.