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- Já te disse que me não cantes - e relançava-lhe o seu formidável olhar vesgo incendido como os lampejos da candeia em que afogueava o cachimbo de pau. Depois, foi tirar de entre a cama de bancos e a parede uma velha clavina. Sentou-se à lareira e disse à mulher que tivesse mão na candeia. Enroscou o saca-trapo na ponta da vareta de ferro e descarregou a arma, tirando primeiro a bucha de musgo, e depois, voltando o cano, vazou o chumbo na palma da mão.
- Ó Joaquim, vê lá o que vais fazer! - insistia a mulher, limpando os olhos com a estopa da camisa. E ele, assobiando o hino da maria da fonte, despejava a pólvora da escorva, desaparafusava a culatra e tirava as duas braçadeiras. A mulher soluçava, e ele cantando numa surdina rouca:
Leva avante, portugueses,
Leva avante, e não temer...
- Pelas chagas do nosso senhor, lembra-te dos nossos pequenos.
E o melro numa distração lírica:
Pela santa liberdade,
Triunfar ou padecer...
Depois, bufava para dentro do cano e punha o dedo indicador no ouvido da culatra para sentir a pressão do sopro, que fazia um frémito áspero impedido pelas escórias nitrosas. Pediu à mulher umas febras de algodão em rama, enroscou-as numa agulha de albarda e escarafunchou o ouvido do cano.
- Está suja - disse ele - dá cá um todo-nada de aguardente.
- Joaquim, vamo-nos deitar, pelas almas. Não te desgraces!
- Traz aguardente e cala-te, já to disse, mulher, com dez diabos! - e pôs-se a assobiar a Luisinha. Enroscou algodão embebido em aguardente no saca-trapo e esfregou repetidas vezes o interior do cano até saírem brancas e secas as últimas farripas da zaracoteia. Soprou novamente e o ar saia sem estorvo pelo ouvido com um sibilo igual. Parecia satisfeito, e cantarolava, mezza voce:
Agora, agora, agora,
Luisinha, agora.