Ego sum veritas.
Frei João ia fulminar segunda vez a argumentação do padre Osório, quando os outros missionários chegavam, para assistirem ao jantar de despedida em casa da brasileira.
Fechara-se a missão; os padres iam dali para Barcelos; mas frei João, empenhado em desendemoninhar a pobre marta, hospedou-se na quinta da revolta, em cuja capela celebrava missa e confessava as suas filhas espirituais insaciáveis do pão dos anjos, que digeriam numa vadiagem dorminhoca, amesendadas nos adros das igrejas e nos soalheiros, catando as próprias pulgas e as vidas alheias.
Frei João andava apercebido com todos os utensílios infestos ao diabo. Resolvido a dar-lhe batalha, armou a energúmena das mais provadas armas nos seus triunfos sobre o inferno. Lançou - lhe ao pescoço um santo lenho, um breve da marca, a verónica de S. Bento, o símbolo de santo Atanásio, cruzinhas de Jerusalém, verónica com a cabeça de santo anastácio, relíquias de vários santos, umas esquírolas de ossos grudadas em farrapinhos, orações manuscritas da lavra do varatojano, metidas em saquinhos surrados da transpiração de outras obsessas.
Marta devia jejuar, como preparatório. Parece que o demónio se compraz de habitar estômagos confortados na quentura do bolo alimentício. O exorcista jejuava também conforme o preceito dos praxistas, e aconselhava ao Feliciano que jejuasse, em harmonia com o texto de jesus que dissera pela boca de S. Mateus que “tais diabos - sem jejum nem oração - saíam do corpo”: hoc genus demioniorum in nullo potest exire nisi oratione a jejuino. O Feliciano dizia que sim, que jejuava; mas, às escondidas do frade, comia bifes de presunto com ovos; começava a revelar ideias egoístas, um cuidado da sua alimentação e do seu repouso, certo desprezo cínico pela parte que o diabo tomara na sua família.