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- Os melancólicos são os mais vexados pelo demónio - replicou o egresso. - veja galeno e Avicena, que aqui vêm citados. - e folheou o brognolo, até encontrar o texto triunfal.
- Aqui tem; leia, verão que a demência pode ser obra do demónio.
O padre Osório leu com uma grande ignorância curiosa: os demónios acometem mais os melancólicos. Primeiro, porque o humor melancólico com dificuldade se tira e é da sua natureza inobediente e rebelde. Segundo, porque o humor melancólico é mais apto para gerar diversas enfermidades incuráveis, porque, se é muito enxuto, ofende as membranas do cérebro e faz ao homem doido; se ofende os ventrículos causa apoplexia, e gera raivas, frenesis e ódios; e estes efeitos de melancolia muitas vezes os costuma causar o demónio, etc.
- O padre Osório está-se a rir?! - invetivou frei João abespinhado - sabe o senhor que mais? Eu já tinha ouvido dizer ao abade de santiago de antas que o Sr. Padre vigário de Caldelas não era muito seguro em matéria de fé; que tinha um bocado de fedor herético nas suas prédicas, e que dava mais importância à quina do que aos santos milagrosos na cura das maleitas.
- Se isso fede a heresia, então, Sr. Frei João, estou de todo pobre - obtemperou Osório, e continuou deixando impar de espantada indignação o missionário. - a respeito da enfermidade de marta, sou a dizer-lhe que em vez de exorcismos quereria eu que lhe ministrassem banhos de chuva, calmantes, distrações; e, baldados estes recursos, que a internassem num hospital de alienadas, porque esta mulher é filha de uma doida, é neta de outros doidos, e pouco há de viver quem a não vir de todo mentecapta. Além de herege sou profeta, meu caro Sr. Frei João. A sua energúmena tem infelizmente o demónio que raras vezes a ciência vence - o demónio da demência hereditária que a não se curar com a agua em chuveiro, também se não cura com a água benta.